“Lágrima é feita de água e sal. Isso mostra que existe um mar dentro da gente. Chorar é deixar o mar transbordar, eu fantasiava. Chorar é não querer morrer afogado. Chorar ajuda o mercuriocromo a curar mais depressa a ferida. Nunca perguntei à professora sobre as lágrimas. Tinha medo de escutar que ‘a ciência explicava’.
Sendo de açúcar e sal, quem gosta de açúcar vai gostar de mim. E quem gosta de sal vai gostar ainda mais. E para quem gosta de açúcar e sal eu viro arroz-doce. Vim ao mundo com necessidade de ser amado. Eles diziam: ‘Durma cedo que vou gostar de você’, e eu dormia; ‘Coma com a boca fechada que vou gostar de você’, e eu comia; ‘Escreva com a letra bonita que vou gostar de você’, e eu escrevia; ‘Deixa de chupar o dedo que vou gostar de você’, e eu deixava. Tudo o que eu mais queria era ser muito amado.
Até hoje adoro comida agridoce. Sou mesmo um dois. Existe um rolinho chamado primavera. Ele é servido com um molho agridoce nos restaurantes chineses. É um molho feito de suco de tomate e abacaxi. A gente põe na boca e não sabe se é açúcar ou sal. Gostaria de inventar o rolinho inverno para servir no meu aniversário de 119 anos. Meus convidados se serviriam escolhendo o melhor: mel ou limão, e chorariam de tanto rir. Tem uma música que diz: ‘O que dá pra rir dá pra chorar. É uma questão de peso e medida.’”
(Bartolomeu Campos de Queirós – Antes do depois)